segunda-feira, 19 de julho de 2010

SOCIOLINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO

Segundo Carlos Alberto Faraco (2008) em “Português: um nome, muitas línguas” precisamos aprender a nos reconhecer como um país multilíngüe, sem restrições e sem prejulgamentos, para todas as variedades do nosso português no Brasil. Isso não é fácil numa cultura como a nossa tradicionalmente intolerante às variedades do nosso português que acaba por discriminar socialmente uma parte da nossa população pelo modo que fala.

No Brasil são faladas centenas de línguas indígenas e dezenas de línguas de imigração, assim como também as africanas. Mesmo assim, com essa diversidade de modos de nos comunicarmos, ainda se idealiza um Brasil monolíngüe. Os efeitos dessa idéia se mostram numa população prejudicada seja pelo modo como falam a língua portuguesa ou por uma educação sem condições de um domínio da língua escrita e de uma consciência de diversidade. (Op. Cit,.)

Compreender porque e como o português se tornou a língua hegemônica do país e avaliar tal processo pode nos dar uma visão das conseqüências desse fato para a educação no Brasil. Para isso, também seria preciso entender a língua como fato social e diversificado. Assim, podemos garantir que a escola passe a ensinar valores sobre nosso patrimônio lingüístico sem intolerâncias e discriminações. (FARACO, 2008)

Ter a escola como centro de promoção da língua portuguesa no Brasil, da sua diversidade e riqueza, talvez seja como ter como oferecer aos seus estudantes uma educação lingüística que lhes dêem liberdade e segurança, por entre as variedades faladas e escritas no Brasil, para ampliar suas competências linguísticas e sua participação em práticas socioculturais. (Op. CIt.)

Não existe nenhuma língua una e homogênea, todas são diversificadas e heterogêneas. A língua seria um conjunto de variedades, seria muitas línguas em uma. A língua está enraizada na vida cotidiana, experiências históricas e culturais de cada uma das comunidades que a falam, como essas são diversificadas, não há como a língua não ser. Tais variedades se diferenciam pelo modo como os enunciados são pronunciados, as frases construídas, por sua morfologia, por suas palavras mais usadas e pelos sentidos agregados a elas. Estas variantes, embora diferentes na pronúncia, na construção das frases, na morfologia, no vocabulário e nos sentidos, partilham um núcleo gramatical e um vocabulário básico resultante da história e negociante das significações e construções das compreensões. (FARACO, 2008)

A língua não é somente diversidade, certas variedades tem ampla circulação social. Vivemos no mundo da comunicação moderna, onde fatos locais se entrecruzam com fatos mais gerais. Temos a escrita como algo unificador, principalmente a que se destina a públicos amplos e diversos que vão além de um limite local. Nessas escritas há o privilegio de algumas variedades da língua que contribui para uma certa unidade lingüística sem excluir a diversidade.

A escola também exerce um papel unificador. Ela introduz as crianças no mundo da escrita, alfabetizando-as e letrando-as. Essa ação não deve desmerecer a diversidade e sim, ser receptiva às experiências mais diferenciadas de uma sociedade. Seu papel é ampliar a vivência sociocultural de seus estudantes fazendo com que eles compreendam que nosso país é multilíngüe, nosso português é diversificado, não havendo valores negativos sobre tais variedades que não sejam errôneos e que o amadurecimento da língua vem com o conhecimento de tais variedades. (FARACO, 2008)

Carlos Alberto Faraco (2008) em seu artigo “Língua Portuguesa: um breve olhar sobre sua história”

O Brasil concentra 85% de seus falantes e tem alguns problemas que limitam seu protagonismo no âmbito da gestão e difusão da língua. Os seus índices de analfabetismo são ainda elevados, assim como seu analfabetismo funcional. Ainda não se resolveu adequadamente a questão de sua norma de referência. Há um conflito histórico entre a norma praticada no país e a norma gramatical definida no século 19 adaptada a uma tradição dogmática e estreita. O Português está longe de ser consolidado como língua comum nessas sociedades. Pois o analfabetismo é muito elevado e os sistemas educacionais são de restrito alcance social com indícios de pobreza alarmantes. (FARACO, 2008)

Silvio Renato Jorge (2008) em seu artigo “Uma língua, muitas gentes” cita Saramago que diz que “não há uma língua portuguesa; há línguas em português”. Nosso idioma teria um caráter múltiplo capaz de manter-se uno em sua diversidade. Podemos fazer uma referência entre língua e cultura e entre língua e identidade. A língua portuguesa possibilita manifestações de culturas diversas sem deixar de afirmar a possibilidade de diálogo entre tais culturas. Esse diálogo é instrumento de heterogeneização e de soma de diferenças. A língua assinala diferenças culturais.

Falar português em Portugal não é como falar português no Brasil ou na áfrica. Ao usarmos uma língua ficamos diante de condições diversas que impõem opções distintas inclusive em uma perspectiva ideológica. No Brasil optar por um socioleto culto é se integrar à elite socioeconômica. Em Angola ou Moçambique usar o português reforça a posição político-ideológica do indivíduo. (Op. Cit.)

O mesmo autor aborda que a língua não impõe um modelo cultural, mas entra em diálogo com a realidade social que a circunda. O que nos une nos países de língua portuguesa não é somente o uso da mesma língua, mesmo que isso facilite o processo de trocas culturais, mas sim, uma infinidade de laços advindos do compartilhamento de séculos de história em comum e da experiência colonial, responsável por um excesso de violência capaz de atingir a todos, colonizados e colonizadores.

No artigo “A Diversidade e a Desigualdade lingüística no Brasil” de Dante Lucchesi encontramos a opinião do autor que fala que é cada vez mais importante reconhecer e preservar a diversidade e o plurilingüismo no Brasil, pois cerca de 98% de sua população tem o português como língua materna. Ele cita a questão da diferença entre a norma culta e a norma padrão e releva tal diferença como algo importante nas questões urbanas. Ele aborda que a língua padrão é quase uma língua estrangeira para um falante da norma popular, o que cria grandes obstáculos para a alfabetização e para o ensino da língua portuguesa. Ele diz que mais grave ainda é o preconceito lingüístico como poderoso mecanismo de dominação e exclusão política e social.

A difusão da norma culta ocorre paralelamente à difusão do saber e à ampliação do universo da cidadania. “Tão importante quanto ensinar as formas da norma culta é desenvolver no aluno a consciência e o respeito à diversidade lingüística. As diferenças entre as normas culta e popular nada mais são do que o reflexo da história lingüística do Brasil”. (LUCCHESI, 2008, p. 34)

Para o mesmo autor é papel da escola resgatar uma consciência histórica para que seja promovido o respeito à diversidade cultural e lingüística. A democratização lingüística passa pela democratização social e econômica junto à políticas de inclusão.

Estes são alguns dos aspectos que configuram o quadro que hoje se apresenta. Por tudo isso a língua padrão é quase tão estranha para um falante da norma popular quanto uma língua estrangeira. É assim que chega à escola grande parte da população. E é assim que sai da escola grande parte da população.

Diz o PCN de Língua Portuguesa que o domínio da língua tem relação direta com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem a acesso à informação, expressa e defende pontos de vistas, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento e ao longo do ensino fundamental, espera-se que os alunos adquiram progressivamente uma competência em relação a linguagem (...) de modo que sejam capazes de utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade lingüística valorizada socialmente, sabendo adequá-los a circunstâncias da situação comunicativa e que participam. Assim como conhecer e respeitar as diferentes variedades lingüísticas do português falado e conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia.

Segundo Stella Maris Bortoni-Ricardo em seu artigo “A diversidade Lingüística no Brasil e a Escola (2005)” no Brasil, hoje, além do português, fala-se cerca de 200 idiomas. A Constituição Brasileira declarou a língua portuguesa como idioma oficial da República Federativa do Brasil. Esta tem aproximadamente 830 anos e é a sexta língua materna mais falada do mundo. No Brasil é onde se vive o maior número de falantes desta língua.

O Brasil enfrenta um grave problema com a familiarização da sua população e modalidade escrita dessa língua. O analfabetismo é o grande problema social de nossa sociedade. O analfabetismo varia de região para região e quanto mais alto seu índice mais baixo o índice de IDH. O maior índice de analfabetismo se encontra na região do Nordeste, entre os homens, negros e pardos, assim como no meio rural. (Op. Cit.)

A UNESCO em 1958 traz o conceito de analfabetismo como a não decodificação de palavras para a sua leitura ou escrita. Duas décadas depois, tal conceito passa a ser referido como Analfabetismo Funcional e é definido junto ao indivíduo que sabe decodificar palavras, ler e escrever, mas que não possui a habilidade necessária para satisfazer as demandas do seu cotidiano e desenvolver-se.

Para entendermos as raízes de tal fato, devemos estar cientes das circunstâncias da transposição do português para o Brasil colônia. Desde o início da colonização prevaleceu aqui um bilingüismo instável, o primeiro chamado de língua geral ou língua brasílica (que foi cedendo lugar à interlíngua européia) falada pelos índios e o segundo, a língua portuguesa, dos jesuítas, a elite aventureira lusitana. O ambiente de contato de línguas foi ideal para haver mudanças rápidas no sistema da língua portuguesa. (Op. Cit.)

O contato de línguas, a ausência de um sistema educacional e a circulação de escritos em português contribuíram para a formação de uma variedade dialetal de português oral. Com pequenas diferenças regionais, tal variedade difundiu-se por todo território brasileiro. Esse multilinguismo tornou-se ainda mais complexo com a chegada dos escravos africanos que nunca tiveram oportunidade de aprender o português sistematicamente e de se inserirem nos sistemas de produção permanecendo à sua margem. A padronização do português brasileiro ocorreu junto ao processo de urbanização. A aceleração da urbanização no século XX ajudou a consolidar nossa sociedade em duas: a sociedade urbana com acesso à cultura letrada e a sociedade rural (e a rurbana) moldadas principalmente pela linguagem oral. Nossas variações linguísticas estão diretamente ligadas ao acesso que cada grupo têm à cultura letrada. O resultado desse acesso distinto entre as duas sociedades é, simplesmente, ter o país com dois terços da população brasileira com analfabetismo funcional. (BORTONI-RICARDO, 2008)

Os alunos chegam à escola com competências comunicativas já desenvolvidas. Na escola, acontece o encontro com a língua escrita aprendendo a ler e a escrever e seu sucesso de comunicação da língua escrita vai depender dos conhecimentos que o aluno já conhece e que permite sua comunicação oral. É preciso uma reflexão sobre a integração entre os modos dominantes de falar dos estudantes com o modo de escrever que este passará a incorporar ao seu repertório lingüístico. É importante que os professores saibam sobre seus antecedentes sociodemográficos. (BORTONI-RICARDO, 2008)

Se há duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa, então, nos deparamos com regras variáveis na língua. A língua é uma atividade social de uma comunidade que segue normas e convenções de uso que acontece numa interação. As pessoas ao se comunicarem obedecem a normas sociais que definem o seu comportamento, inclusive o lingüístico. É função da escola empenhar-se na ampliação dos recursos comunicativos dos alunos e dispor de recursos comunicativos para que os alunos possam monitorar sua fala. As regras sociais da língua podem ser implícitas ou não. Elas fazem parte das crenças e dos valores que as pessoas possuem. (Op. Cit.)

Para a autora, a sociolingüística considera a expressão “erro de português” inadequada e discriminatória. O que há são diferenças entre variedades da língua. De acordo com tal idéia, vê-se como necessária uma pedagogia sensível aos saberes dos educandos, que esteja atenta ás diferenças entre suas culturas e a da escola. Sendo assim, é papel do professor encontrar formas efetivas de conscientizar seus alunos sobre essas diferenças. Que suas intervenções sejam respeitosas e que levem o aluno a refletir sobre os variados recursos da língua. A modalidade oral da língua admite muitas variações, já a modalidade escrita obedece a regras ortográficas e outras relacionadas à própria estruturação da escrita. De todo modo, o que importa aqui é que a produção lingüística de seus alunos esteja sempre adequada ao modo como ele utiliza sua língua.

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